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Designação do projeto

PT/2017/FAMI/149 - Diversidades, espaço e migrações na cidade empreendedora

Este projeto analisa as modalidades através das quais a diversidade, de um tipo cosmopolita, integra certos espaços do tecido urbano, sendo nesse âmbito solicitada por decisores políticos e utilizada estrategicamente por empreendedores étnicos. 

A investigação levada a cabo sustentou-se numa abordagem qualitativa e incidiu sobre os mecanismos e estratégias para a acomodação da diversidade cultural no espaço local, explorando quer a vertente das experiências quotidianas e dos encontros culturais quer os aspetos estratégicos e deliberativos das redes de governança local e da diversidade de atores presentes nos territórios analisados.

Neste sentido, perguntamos como se integra a diversidade cultural nos processos de renovação urbana, de criação de imagens da cidade, de gentrificação, prestando atenção aos sujeitos e estratégias da governança local. Ou seja, como se incluem os imigrantes e grupos etnicamente diversos nas estratégias dos governos locais e nos espaços urbanos sobre as quais estas incidem?

A novidade sobre este projeto prende-se justamente com a análise da perceção dos próprios imigrantes sobre essas mesmas políticas e formas de inter-relação com as dinâmicas urbanas atuais. Com efeito, apesar das inúmeras análises e avaliações de políticas a lacuna persiste: dados sobre as perceções dos próprios imigrantes relativamente a estas modificações e as formas mobilizadas (ou não) para com elas se articularem são ainda escassos. Por outro lado, dada a crescente turistificação das duas cidades em análise, pouco se conhece sobre o modo como o direito à cidade (Lefebvre [1968], 1996) por parte das populações imigrantes está a ser exercido; sendo também escasso o conhecimento sobre quais os processos participativos e mecanismos consultivos acionados pelas autarquias locais e plataformas de mediação entre estes atores, os agentes políticos e os operadores financeiros e económicos.

Da mesma forma, perceber como tais mudanças possuem impactos nos espaços públicos, na expressão das sociabilidades ou na visibilidade da diversidade sugere que uma particular atenção deve ser dada a cenários concretos de interação. Esta pesquisa coloca centralidade nesse aspeto ao escolher articular, dentro de uma perspetiva qualitativa, abordagens estratégicas e discursivas com etnografias do espaço e das relações situadas. 

Em suma, pretende-se perceber como a diversidade cultural é organizada nos espaços urbanos centrais e como esta se articula com expressões e regimes espaciais particulares.

No âmbito metodológico e contextual, dois aspectos devem ser salientados relativamente ao carácter inovador deste projeto. Primeiro, o seu âmbito socio espacial, na medida em que este estudo se centra nos concelhos de Lisboa e do Porto. Até à data não existem análises comparativas entre Lisboa e o Porto no respeitante a dinâmicas urbanas de incorporação de imigrantes. O Porto, apesar do seu crescente dinamismo de transformação urbana e lugar sincrónico e diacrónico de acolhimento de estrangeiros, tem estado estranhamente ausente da maioria dos estudos, concentrando-se estes em Lisboa e respetiva área metropolitana. O segundo aspeto prende-se com a atenção a prestar às formas de apropriação da cidade por parte dos migrantes, às novas formas de sociabilidades e expressões culturais nos espaços públicos. É hoje consensual que o espaço local detém uma importância central nos processos de integração de imigrantes.

Fundo: FAMI - OE2-INTEGRAÇÃO E MIGRAÇÃO LEGAL - OE2.ON3 Capacidade

Entidade financiadora do projeto: Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI) / Alto Comissário para as Migrações (ACM)

Página da Entidade financiadora do projeto: https://www.acm.gov.pt/

Investimento Total Elegível : 58617,1000

Comparticipação Comunitária (75,00%)

Duração: 16 meses

Data de Início 2017-11-01

Data de Fim 2019-02-24

Beneficiário principal: Faculdade de Arquitetura da Universidade de Lisboa

Coordenação: Maria Manuela Mendes https://www.researchgate.net/profile/Maria_Manuela_Mendes

Parceiro do Projeto: CRIA- Centro em Rede de Investigação em Antropologia

Equipa do Projeto: Maria Manuela Mendes, José Mapril, Nuno Oliveira.

1. Procurámos neste trabalho complexificar o conceito de diversidade observando fenómenos de diversificação nos centros urbanos. Trouxemos por isso à colação não apenas os atores típicos da literatura sobre diversidade, ou seja, os imigrantes, mas também um outro grupo que assume uma cada vez maior importância nas dinâmicas de recomposição populacional dos centros: os gentrificadores. Postulámos, por conseguinte, que imigrantes e gentrificadores formariam uma nova diversidade e que a sua ação conjunta tem vindo a imprimir um efeito tão significativo como complexo sobre os lugares. Das etnografias indagamos que alguns pressupostos mais comuns não se verificavam; comuns no sentido de sustentados pelo senso comum e em certa medida pela opinião pública e publicada. Desde logo, a noção de que os imigrantes não são beneficiários, sendo meras vítimas passivas dos processos de turistificação e gentrificação. As evidências empíricas mostram que embora existam casos de vulnerabilidade em face das rápidas transformações dos centros urbanos, outros há que adaptam as suas estratégias negociais – no caso dos comerciantes e empreendedores – a essas mesmas dinâmicas. Com efeito, não apenas novos investidores surgem nestes territórios com o fito da especulação imobiliária, como também velhos residentes, com conhecimento prático e quotidiano destas zonas, se servem deste para apostar os seus investimentos. Assim, não raras vezes surgem empresários de origem imigrante, antigos residentes nos respetivos locais, a fazerem avultados investimentos naquilo que se tornou o mais cobiçado bem nestes territórios: as mais valias associadas à propriedade imobiliária.

2. Mas existem diferenças pronunciadas contextuais que importa salientar brevemente. Primeiro, em matéria de políticas para a diversidade a Câmara Municipal de Lisboa apresenta uma estratégia mais coerente e consolidada de promoção da mesma e dos seus possíveis benefícios. As inúmeras medidas cujo propósito direto é promover e dar visibilidade à diversidade cultural estabelecidas pela Câmara Municipal de Lisboa contrasta com a debilidade estratégica com que a diversidade cultural figura nos programas e orientações da Câmara Municipal do Porto. Com efeito, a escassez de iniciativas que verificámos para o Porto no domínio da sua estratégia municipal contrasta com a centralidade que a ideia de interculturalidade granjeia nas diversas “visões” da CML. Até à data deste relatório não havia menções ao potencial intercultural da cidade e como este poderia ser investido num plano de desenvolvimento urbano integrado. Isto apesar de a nível das Juntas de Freguesia (no caso particular da Junta do centro histórico do Porto) algumas iniciativas serem promovidas no sentido de proporcionar espaço à expressão das tradições culturais imigrantes. Todavia, esta relação não se encontra enquadrada numa “visão” para o município, nem tão-pouco para a freguesia. Ao invés resulta de iniciativas parcelares e pontuais, decorrentes de redes políticas e de algumas afinidades eletivas. Há, em rigor, uma maior articulação em Lisboa entre a economia do turismo, o marketing do lugar, e os imigrantes. E essa articulação encontra-se explicitada nos documentos oficiais e é abertamente defendida pelos diversos níveis autárquicos. Muito embora a inexistência de uma estratégia plasmada em programa ou documento na cidade do Porto não seja negligenciável, esta falta de centralidade do elemento imigrante e, dele decorrente, da diversidade cultural estende-se a qualquer área de atribuição municipal. Se no Mapa Estratégico da Câmara Municipal do Porto não figura menção aos imigrantes ou à interculturalidade não quer dizer que o assunto imigração não mereça a atenção da autarquia e dos seus diversos níveis. Significa, contudo, que estes temas não são colocados no universo simbólico e discursivo do cosmopolitismo e da “vantagem da diversidade”. A diversidade cultural surge reiteradamente associada a um assistencialismo providencialista onde esta é colocada como um problema social, geralmente da ordem da exclusão, ao qual o terceiro sector e os mecanismos do Estado assistencialista devem dar resposta. Se é certo que o Porto não tem a mesma proporção de imigrantes concentrados num espaço específico, como é o caso do centro de Lisboa, não deixa de ser oportuno notar que nos espaços onde esta concentração se torna mais evidente, como na atual freguesia do Centro Histórico do Porto, a implicação das populações imigrantes se faz sobretudo pelos canais políticos mais tradicionais, como sejam as relações de afinidade pessoal ou de pertença partidária.

3. O que parece evidente é o facto de os agentes públicos e políticos na cidade do Porto não terem incorporado a diversidade cultural na urban mindscape, para utilizar a pertinente noção de Bianchini (2006). Não foi essa a opção cultural das estruturas de governança da cidade do Porto. O que não significa que haja uma desvalorização por parte do setor politico autárquico e que não haja uma correspondente presença imigrante, com a visibilidade dos seus negócios, com as suas redes associativas e com acessos diferenciados às estruturas de oportunidade e reivindicações ao espaço público. Porém, quando observamos esses mesmos canais, as suas possibilidades são estreitas, porque a sua organização é igualmente débil. De acordo com as entrevistas efetuadas com representantes associativos, as estruturas colegiais, tais como conselhos consultivos, são débeis, ou simplesmente não funcionam. Segundo, em contextos semelhantes, encontramos estratégias distintas, como acontece, por exemplo, nas duas freguesias que abrangem o território analisado em Lisboa. Neste caso, é evidente que a uma maior proporção de estrangeiros (na Mouraria) não corresponde, necessariamente, uma intervenção mais explícita e orientada para a diversidade cultural (mais evidente no Eixo Almirante Reis e promovida pela Junta de Freguesia de Arroios). Ao nível das duas juntas de freguesia da capital que abrangem o território analisado (Arroios e Santa Maria Maior) verificamos que as estratégias são diferenciadas. Se num dos casos a diversidade cultural é colocada no centro da atuação do executivo, sendo destacada como elemento identitário da freguesia, no outro há uma proximidade grande a algumas comunidades e essa dimensão é valorizada mas não numa lógica de identidade (embora, os estrangeiros tenham um peso muito considerável entre a população residente no bairro analisado), sendo considerada uma competência de outros níveis da administração (municipal e estado central) ou das organizações de base local e de imigrantes que devem, na perspetiva deste executivo, ser os principais promotores de iniciativas dirigidas à integração dos imigrantes, uma vez que o seu quadro de competências não contempla estas matérias. No caso do Porto, tanto a Câmara Municipal como a Junta de Freguesia que abrange o território da Rua do Loureiro/Rua de Cimo de Vila, parecem preferir que sejam as organizações do terceiro setor, representativas das várias comunidades ou outras, a liderar a ação local dirigida à população estrangeira. Ainda assim, pelo menos ao nível técnico, parece haver uma tendência de retoma deste tema que poderá, nessa medida, vir a ganhar posição nos instrumentos de política (social) da autarquia a breve prazo.

4. E o que dizem os discursos? Ao nível institucional, eles replicam aquilo que já havia sido observado na prática política (oficial) e nas correspondentes iniciativas. Temos assim que se para as entidades autárquicas em Lisboa os seus discursos sublinham uma clara lógica de investimento na “vantagem da diversidade”, tal não constitui opção central para o Porto. Não apenas porque a concentração de população imigrante é menor e se restringe a uma zona bem mais diminuta, mas porque a estratégia de promoção da diversidade cultural não é espacializada. Em Lisboa, o esforço de criar uma zona cuja identidade seja iminentemente multicultural é participado por um leque de agentes que se encontram ausentes no caso do Porto. Com efeito, embora a diversidade cultural surja no Porto como um atributo a ser explorado, ele é dentro de uma linguagem dos direitos humanos e da integração social e não no interior de uma lógica de desenvolvimento urbano. É neste sentido que no Porto encontramos a governança da diversidade cultural partilhada entre a rede social e uma associação para a integração social, isolados em certa medida de uma estratégia autárquica de desenvolvimento urbano. Contrariamente, em Lisboa encontramos um modelo de interculturalidade criativa onde a primeira é colocada ao serviço da implementação das lógicas da cidade criativa e serve de recurso para esse fim1 . Sendo a intensa estetização do espaço público uma dessas lógicas, encontramos uma diversidade de medidas que visam esse mesmo efeito. Curiosamente, os imigrantes entrevistados não participam ativamente nessas celebrações não as considerando parte relevante do seu horizonte de significado. Através dos seus discursos compreendemos que tais celebrações, à exceção do dia da celebração das festas pátrias, não constroem os sentidos de pertença destes indivíduos, mais apostados na esfera profissional e nas interações com os seus próximos (quer de redes familiares quer negociais).

5. Ao nível das perceções, quer os comerciantes imigrantes quer os gentrificadores entrevistados partilham a noção de acumulação de capital simbólico coletivo que a renovação dos lugares oferece. O papel das políticas urbanas, principalmente no plano da reabilitação do edificado e do espaço público, principalmente em Lisboa criou condições para a gentrificação turística. Por sua vez, o turismo acabou por ser um estímulo à transformação urbana. A notória turistificação dos dois contextos analisados suscita, contudo, atitudes diversas. O turismo é visto como uma oportunidade em maior proporção pelos comerciantes imigrantes (ainda que acarrete problemas vários, tais como o aumento das rendas dos espaços comerciais e do imobiliário) enquanto os gentrificadores se sentem divididos entre considerar o turismo tanto uma oportunidade como uma ameaça. Para estes últimos, o turismo tem descaracterizado as zonas onde vivem. Da mesma forma, são os gentrificadores que se posicionam segundo uma atitude mais pessimista quanto ao futuro do bairro. Os comerciantes de origem imigrante são recetivos à renovação das suas zonas de comércio e residência e tendem a associar o futuro do bairro aos proventos que poderão advir do turismo. Mesmo que, segundo a distribuição segmentada de proventos assinalada anteriormente, haja comerciantes que preveem abandonar o bairro em virtude do incomportável preço das rendas.

6. As modalidades em que são vividos o espaço público e privado são também diferenciadas. Os gentrificadores referem mais frequentemente o espaço público como lugares de encontro e de lazer no seu bairro, ao passo que os imigrantes se confinam mais a espaços privados, tais como as casas de membros da comunidade, os locais religiosos ou as próprias lojas onde encontram os vizinhos. Em matéria de modalidades de negociação da diferença cultural pode-se dizer que encontramos padrões de interação intercultural banal quotidiana (Sandercock, 2003:89) num regime urbano que é de proximidade. Os testemunhos, quer de gentrificadores quer de imigrantes, apontam para a existência de contatos próximos, amizades e interações habituais no espaço da casa e da rua.

7. No domínio da intervenção das entidades públicas as diferenças mais claras surgem igualmente entre perfis e não entre contextos espaciais. Temos assim que os comerciantes imigrantes perspetivam uma tal intervenção através dos binómios segurança-insegurança ou higienização-poluição. Estes são quadros intimamente ligados à sua atividade profissional, como não poderia deixar de ser. As intervenções urbanas não são questionadas, sendo perspetivadas através do papel da comunidade nos múltiplos processos associados à renovação (mais policiamento, mais higiene urbana, mais segurança, mais equipamentos urbanos).No caso dos gentrificadores, se do mesmo modo as diferenças contextuais não são relevantes, sustentando este perfil discursos idênticos quer em Lisboa quer no Porto, o que estrutura as suas preocupações apresenta-se como distinto do grupo dos comerciantes. Desde logo, a necessidade de preservação da autenticidade dos espaços e a conservação de uma imagem naturalizada sobre os mesmos organizam a perceção que este grupo tem da intervenção pública nos territórios onde habitam.

8. Finalmente, deve ser sublinhado que a interculturalidade propalada nas estratégias de desenvolvimento urbanas (o caso mais emblemático é a Visão para Lisboa) parece funcionar de fora para dentro das comunidades imigrantes, mas o inverso não se verifica. Melhor dizendo, se é facto que as celebrações culturais são participadas endogenamente, ou seja, pelos membros das comunidades a quem estas se referem, não se verifica participações exógenas, ou seja, em celebrações que pertençam a datas ou cultos específicos a outras culturas. Desta forma, as múltiplas iniciativas de natureza intercultural promovidas em torno dos espaços estudados, em particular em Lisboa, só muito tangencialmente alcançam um público imigrante quando se entende este para além dos seus representantes oficiais.

 

1 Compara-se com a noção de interculturalidade construtivista segundo Zapata-Barrero (2016)

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